...PALAVRAS INSONORAS!!!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Perfis virtuais, luto real

Meio Fúnebre para uma sexta... mas tem sentindo!



Páginas dos mortos que continuam ativas em redes sociais transformam-se num problema

Do O Globo
Em 13 de outubro de 2011, quatro dias após a morte do cofundador da Apple Steve Jobs, o desenvolvedor web e fã do executivo, Simon Lau, criou um perfil falso no Facebook com uma linha do tempo em tributo à vida de Jobs. No último dia 22, dois dias antes do aniversário do executivo da Apple, a rede de Mark Zukerberg retirou a página do ar, alegando que não permite a disponibilização de informações pessoais sobre uma pessoa em um perfil sem que ele seja criado pela própria pessoa ou por alguém com sua permissão.

(Leia também: Redes sociais oferecem formulários para remoção de perfis)

O caso do perfil em homenagem à Jobs chama a atenção para o fenômeno oposto e cada vez mais comum na vida daqueles que utilizam a internet como espaço de compartilhamento e exposição pessoal: os perfis virtuais que perduram após o falecimento de seus titulares. Apesar de as redes sociais ocuparem um espaço crescente na vida moderna, poucas pessoas pensam no que será feito de seus espelhos digitais quando suas vidas esbarrarem no inevitável fim. Para especialistas, essa é uma preocupação que precisa se tornar cada vez mais latente em nossa sociedade.

— Atualmente, não existe uma visão legal para a questão dos perfis de falecidos em redes sociais. Muitas vezes, para haver quebra de privacidade ou a retirada do ar de um perfil desses, somente sob autorização judicial — afirma Ana Amélia Barreto, presidente da Comissão de Direito e TI da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB/RJ). — Também não acho que tenha que haver previsão legal para isso porque é uma questão delicada e complexa. Cabe aos familiares a iniciativa de mover algum tipo de ação para desativar os perfis por qualquer motivo.

De acordo com a advogada, as pessoas precisam começar a pensar no futuro de seus perfis sociais para evitar possíveis situações desconfortáveis para seus familiares e amigos.

— O ideal é que, assim como fazem quando desejam ser cremadas, as pessoas deixem registrado por escrito o que querem que seja feito com suas vidas on-line após sua morte, ou mesmo que deixem as senhas de seus perfis com alguém de confiança. As pessoas devem pensar nisso para evitar possíveis constrangimentos nesses espaços, como postagens de conteúdos ofensivos ou informações sigilosas por terceiros — afirma Ana Amélia.

As redes sociais ainda adicionam um novo peso emocional ao processo de vivência do luto em nossa sociedade, o que pode ter um caráter positivo ou negativo para as pessoas próximas ao falecido. Afinal, esbarrar em fotos e mensagens de alguém que se foi pode gerar sentimentos tão diversos quanto conforto e angústia. Foi o que aconteceu com Ângela Paiva, mãe do surfista Rafael Paiva, de 26 anos, que faleceu em um acidente de moto, em Bali, em julho de 2011. Nos primeiros dias após a perda de Rafael, Ângela relutou a entrar no perfil do filho no Facebook, com medo da dor da saudade. Entretanto, ela acabou cedendo à curiosidade e encontrou conforto nas mensagens de carinho que os amigos de Rafael deixaram em seu perfil.

­— Fiquei muito emocionada com a quantidade de mensagens de carinho que foram deixadas no mural do meu filho. Sabia que ele era amado, mas não sabia que era tanto — afirma Ângela, que admite ter levado algum tempo para aprender a equilibrar a mistura de conforto e angústia causada pelas visitas ao perfil de Rafael. — Em um primeiro momento, foi complicado, porque visitava sempre a página dele e isso já estava se tornando algo obsessivo. Foi preciso aprender a me policiar e a me adaptar à situação.

Apesar de ter a senha e o login do filho no Facebook, Ângela preferiu preservar o perfil de Rafael para manter as mensagens enviadas por amigos. Já a produtora editorial Luisa Pinheiro optou por encerrar a conta de sua mãe, Basília Pinheiro, no Orkut, logo após seu falecimento, para evitar inconvenientes.

— Algumas pessoas que eu não queria estavam chegando a mim por meio do perfil dela. Além disso, pessoas que têm a mania de postar mensagens piscantes com desejos de felicidade em murais continuaram fazendo isso no perfil dela, completamente alheias ao que tinha acontecido. Isso me irritava um pouco — conta Luisa. — O que importava mesmo dela era o físico e o que vivi com ela, não o on-line.

A psicóloga Kelly Simões, PhD na temática de cuidados paliativos e do luto, atesta que a questão das redes sociais já é um assunto comum nos consultórios de psicologia no momento de se abordar a perda de um parente ou amigo.

— Como as redes sociais são uma parte cada vez maior de nosso cotidiano, estar em constante contato com fotos e mensagens de falecidos nesses sites pode trazer um grande sofrimento para as pessoas próximas a eles. E como encerrar um perfil desses ainda não é algo tão rápido, esse processo pode ser mais um grande desgaste emocional — afirma Kelly Simões.

Para ela, o fato de as pessoas ainda não pensarem no que será feito de seus perfis digitais em um eventual falecimento reflete o quanto esse assunto ainda é um tabu.

— Ainda não conversamos tanto quanto deveríamos sobre a morte e acabamos não nos preparando para ela. É importante que esse assunto seja natural, para que possamos viver melhor — recomenda a psicóloga.

Fica a pergunta: O que você gostaria que fosse feito com o seu perfil?

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