“A instalação do Complexo Industrial Porto do Açu provocará impactos diretos em 32 municípios de Minas Gerais e Rio de Janeiro por serem cortados pelo mineroduto. Porém, seguramente os mais impactados serão Campos dos Goytacazes e São João da Barra”, informa a assistente social.
Do IHU On-Line
Confira a entrevista.
Para que o Complexo Industrial do Porto de Açu seja construído, a estimativa é de que 1.500 famílias tenham suas terras desapropriadas. De acordo com a assistente social e professora da Universidade Federal Fluminense – UFF, Ana Maria Costa, o acordo de reassentamento firmado entre as famílias que vivem no V Distrito de São João da Barra, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – Codin e a LLX, empresa responsável pelo empreendimento, não está sendo cumprido e as famílias que já foram reassentadas não podem utilizar as novas terras. “Até agora foram construídas somente 34 casas, com uma área pequena no entorno, de apenas dois hectares. (...) Os reassentados foram orientados a não iniciar a produção, em especial a de culturas permanentes como árvores frutíferas, em função da empresa ainda não ter a propriedade dessa área”. Segundo a pesquisadora, as terras em que as famílias estão reassentadas pertencem “ao grupo OTHON/Usina Barcelos e se encontram em litígio, pois existem dívidas trabalhistas com seus empregados”. Isso significa, explica, que caso "todas as famílias aceitem ser transferidas, primeiramente não haveria casas e terras para todas; e, em segundo lugar, elas poderiam ser novamente expulsas a qualquer momento”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Ana Maria relata que a notificação da desapropriação de terras feita pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – Codin contém erros de vistoria, e muitas famílias “têm (...) recebido – a título de garantia e negociação de suas terras – o valor das benfeitorias e o valor a ser pago na desapropriação. Isso, porém, em um pequeno rascunho de papel, sem carimbo, sem assinatura e sem marca oficial da instituição, mas somente anotações a caneta registrando o valor venal da terra. Nesses casos, inexiste mandato oficial da justiça, assim como não há a presença de agente judiciário para acompanhar o processo”.
Para ela, os problemas enfrentados pelos moradores do V Distrito “não são uma questão isolada, mas que fazem parte deste novo ciclo da mundialização do capital, que tem na concentração, acumulação e exploração, suas dimensões principais”.
Ana Maria Costa é graduada em Serviço Social e mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Atualmente leciona na mesma instituição, onde é coordenadora dos cursos de extensão da UFF de Campos dos Goytacazes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foram negociadas as desapropriações de terras dos agricultores do V Distrito de São João da Barra? O processo de desapropriação ainda está em curso?
Ana Maria Costa – Na verdade, não houve negociação em nenhum momento do processo. O que vem ocorrendo é um total desrespeito àqueles pequenos agricultores, pescadores e suas famílias, que vivem hoje um estado de exceção que tem tido, no autoritarismo, a fundamentação de suas ações, onde a polícia é o único representante presente no V Distrito de Açu em São João da Barra-RJ, principalmente, no momento de expulsão desses agricultores de suas terras. Dessa forma, o que temos acompanhado é a falta de segurança e as dificuldades enfrentadas por estes trabalhadores paramanterem as mesmas condições de vida que, historicamente, sempre tiveram, realizando as atividades que mais os orgulham, que é a lida com a terra.
O que se verifica é que, em muitos casos, está ocorrendo um verdadeiro processo de remoção forçada que viola tanto o art. 6º da Constituição – que prevê o direito à moradia, que ora é negado pelos processos de desapropriação em curso – como a Constituição do estado do Rio de Janeiro, com destaque para o seu artigo 265.
IHU On-Line – Qual a situação dos agricultores do V Distrito de São João da Barra, os quais tiveram suas terras desapropriadas?
Ana Maria Costa – Como a repressão, a violência e a incerteza têm sido a forma utilizada pelo governador do estado, Sérgio Cabral, pela prefeita de São João da Barra, Carla Machado e pelo Grupo do Eike Batista para tomarem as terras dos agricultores e expulsá-los, as condições de vida destas famílias estão totalmente alteradas e o processo de desapropriação é o monstro que ronda e tenta desestabilizar a vida pacata, honesta e de trabalho que sempre tiveram.
Existe um processo de adoecimento físico e mental de alguns moradores que têm retirado essas pessoas do trabalho e também das lutas travadas no sentido de criar resistência aos descalabros que vêm acontecendo no V Distrito.
IHU On-Line – Para que localidades essas pessoas serão transferidas e como essa mudança impacta no dia a dia delas?
Ana Maria Costa – Até agora foram construídas somente 34 casas, com uma área pequena no entorno, de apenas dois hectares. Além do acordo feito com as famílias no processo de reassentamento, em que a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – Codin e a LLX comprometeram-se em dar toda a infraestrutura para produção agrícola – o que não ocorreu ainda –, os reassentados foram orientados a não iniciar a produção, em especial a de culturas permanentes como árvores frutíferas, em função da empresa ainda não ter a propriedade dessa área. Essas terras pertenciam ao grupo OTHON/Usina Barcelos e se encontram em litígio, pois existem dívidas trabalhistas com seus empregados. Considerando-se a hipótese de que que todas as famílias aceitem ser transferidas, primeiramente não haveria casas e terras para todas; e, em segundo lugar, elas poderiam ser novamente expulsas a qualquer momento. Mas é preciso considerar também que estamos falando de agricultores que têm uma relação afetiva com aquele pedaço de terra, que vêm há anos cultivando e que em nenhum momento colocaram suas terras à venda. Então, mesmo se a Vila da Terra, como é chamado este lugar, tivesse todas as condições de que eles precisam para continuarem a fazer o que eles mais gostam, que é plantar, colher e viver do fruto do seu trabalho, haveria resistência em função dos valores culturais, afetivos, dentre outros.
É preciso destacar ainda que 90% das terras do V Distrito de Açu foram desapropriadas através do Decreto 41.915/RJ, fato que impossibilita essas pessoas de permanecerem nas proximidades de suas comunidades de origem. A partir dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apresentados no RIMA, produzido pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, percebem-se com mais exatidão os seguintes impactos, principalmente na agricultura:
•impacto em pelo menos 1.500 famílias de agricultores familiares no Distrito Industrial;
•desapropriação de moradores sem notificação judicial;
•reassentamento compulsório: fazenda Palacete;
•situação fundiária indefinida (fazenda Saco Dantas; fazenda Palacete);
•violação dos direitos constitucionais (Art. 265 da C.E.);
•ações criminosas: destruição de restinga e invasão de lotes familiares;
•intimidações de agentes privados de segurança (LLX) e do 8° Batalhão de Campos;
•impacto sobre assentamentos de reforma agrária.
IHU On-Line – Têm circulado na imprensa informações de que a Codin tem atuado com violência nas desapropriações. Qual tem sido a postura do poder público diante desses acontecimentos?
Ana Maria Costa – A postura do poder público municipal e estadual tem sido de total conivência, apoio e subalternidade ao grupo LLX. Isso pode ser comprovado na iniciativa da prefeita Carla Machado e na aprovação pela maioria dos vereadores no processo de transformação dessa área rural em área de expansão industrial, ato que antecede a publicação do decreto de desapropriação publicado pelo governador Sérgio Cabral. Ou seja, o poder público está de mãos dadas com o Eike Batista, nas ações de expulsão dos pequenos agricultores e pescadores de suas terras, cometendo todo tipo de atrocidades e violando os direitos humanos. No entanto, têm alguns poucos setores do poder público que vêm apoiando esses trabalhadores, como é o caso da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio – ALERJ; os ministérios públicos estadual e federal; o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual e o Conselho Estadual dos Direitos Humanos, que também fez uma visita para levantar os casos de violência e, portanto, de desrespeito aos direitos dessas famílias.
Com relação à Codin, no caso das desapropriações, as práticas têm sido as piores possíveis, com ações fraudulentas, nas quais grande parte das famílias tem recebido – a título de garantia e negociação de suas terras – o valor das benfeitorias e o valor a ser pago na desapropriação. Isso, porém, em um pequeno rascunho de papel, sem carimbo, sem assinatura e sem marca oficial da instituição, mas somente anotações a caneta registrando o valor venal da terra. Nesses casos, inexiste mandato oficial da justiça, assim como não há a presença de agente judiciário para acompanhar o processo.
IHU On-Line – Por que projetos de expansão industrial como o Porto de Açu e outros que existem no Brasil (extração de minério, portos, por exemplo) não consideram a população local? As empresas têm alguma responsabilidade social com essas comunidades?
Ana Maria Costa – Neste país, quase sempre quando se pensa o rural, pensa-se de forma errônea, ao atraso e ao arcaico, em um contraponto ao urbano, que seria o moderno e, portanto, avançado. Nessa análise superficial, desconsideram-se os indicadores das áreas urbanas periféricas, que são reveladores das desigualdades, logo os excluídos da riqueza produzida no Brasil. Sejam eles da cidade ou do campo, o fato é que eles têm sido desconsiderados e desrespeitados nos mais diferentes espaços de deliberação. E quando são chamados a participar, as decisões já foram tomadas e, portanto, o que se busca é o consentimento desses trabalhadores e trabalhadoras.
Assim, quando esses pequenos agricultores se mobilizam, se organizam e se articulam, criando resistências para a forma como está sendo implementada, a fragmentação e a repressão foram estratégias utilizadas pelos poderosos.
Denúncias
Agricultores e pescadores do município, bem como associação de moradores, entidades de defesa dos direitos humanos e universidades, já manifestaram publicamente as arbitrariedades e injustiças que vêm sendo cometidas na condução das ditas “negociações” com as famílias. No caso das áreas que estão sendo desapropriadas pela Codin, os problemas envolvem a forma de notificação, erros de vistoria, subavaliação e assédio moral. A Associação dos Produtores Rurais e Imóveis – Asprim, que reúne proprietários do V Distrito de São João da Barra, relata que famílias têm sido intimidadas por agentes de segurança privada contratados pela LLX e por integrantes do 8° Batalhão da Polícia Militar de Campos, que rondam seus imóveis a cavalo e de carro a qualquer hora do dia ou da noite sem qualquer propósito justificado.
Tais denúncias resultaram em representações junto do Ministério Público Estadual relacionadas à questão dos idosos, da infância e juventude e aos direitos difusos. O mesmo ocorreu com relação ao Ministério Público Federal, denunciando a presença de milícias armadas, pagas pelo grupo do Eike Batista.
IHU On-Line – Que tipos de impacto social os empreendimentos como o do Açu podem trazer para as comunidades?
Ana Maria Costa – A instalação do Complexo Industrial Porto do Açu provocará impactos diretos em 32 municípios de Minas Gerais e Rio de Janeiro por serem cortados pelo mineroduto. Porém, seguramente os mais impactados serão Campos dos Goytacazes e São João da Barra, que também abrigarão as operações industriais, portuárias e outras obras de infraestrutura diretamente ligadas ao Complexo.
Um exemplo de violência à população local é a construção do píer que ligará o terminal de cargas ao continente, visto que já vem impactando a pesca, uma das principais atividades econômicas da população. Os pequenos agricultores familiares estão sendo expulsos, estão presenciando a expropriação de suas terras e estão sendo afetados pela interrupção de suas práticas locais de produção e subsistência. Há previsão também de impactos sobre o modo de vida e economia local como o rompimento de relações de vizinhança e comunitária, de desestruturação de relações simbólicas da população com o lugar e de desestabilização da estrutura agrária local pela mudança dos padrões de apropriação da terra, conforme relatório da Associação dos Geógrafos Brasileiros.
IHU On-Line – O que dificulta a participação da população na elaboração das políticas públicas brasileiras e dos projetos elaborados para favorecer determinadas comunidades?
Ana Maria Costa – Eu entendo que, enquanto a propriedade estiver concentrada nas mãos de poucos, seus proprietários tendem e tentam a ter sob seu controle não só o poder econômico e político, mas também o poder de transformar em mercadoria a força de trabalho de muitos, retirando dela a fonte e a permanência do seu poder, buscando, ainda, transformar essa mão de obra em segmentos tutelados, obedientes e com imensas dificuldades de lutarem por sua emancipação e soberania. Esse é um fenômeno que pode ser observado nas comunidades do V Distrito de Açu. Mesmo com toda a luta travada pela associação criada por eles, pode-se verificar que as estratégias criadas tanto pelo Executivo (nas suas três esferas) como pelo Legislativo e Judiciário corroboram uma cultura política das decisões pelo alto, ignorando e mesmo excluindo os verdadeiros sujeitos do processo de participação, que são os pequenos agricultores, pescadores, pequenos comerciantes e suas famílias. Nesse caso, mesmo considerando alguns avanços conquistados pelos movimentos sociais junto à Constituição Federal de 1988, relacionados com o processo de democratização do Estado e da sociedade, eles não impedem a nossa compreensão de que a ampliação da cidadania – esse processo progressivo e permanente de construção dos direitos democráticos que caracteriza a modernidade – termina por se chocar com a lógica do capital.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Ana Maria Costa – É preciso que a sociedade entenda que os problemas sofridos, hoje, pelos moradores do Açu e, principalmente, pelos agricultores e agricultoras não são uma questão isolada. É preciso compreender que eles fazem parte deste novo ciclo da mundialização do capital, que tem na concentração, na acumulação e na exploração suas dimensões principais, capazes de transformar o empresário Eike Batista em um dos homens mais ricos do mundo: em 4 anos ele se tornou o sétimo homem mais rico do mundo e o primeiro do Brasil.
Para isso é capaz de se utilizar de tecnologias mais modernas existentes e, ao mesmo tempo, lançar mão de processos vivenciados no século XVIII, que foi a retirada dos meios de produção. Em breve, todos sabemos que eles serão demitidos. Agora, já sem seu instrumento de trabalho, que era a sua terra, transformar-se-ão em tutelados do Estado, com as migalhas que são oferecidas pelos projetinhos medíocres e assistencialistas, tornando-se mais um voto de cabresto nas mãos dos políticos eleitoreiros e clientelistas que invadem essa região.
Assim, não podemos permitir que a areia branca retirada do fundo do mar, causando todos os danos ambientais possíveis, para a criação do estaleiro, continue a cobrir aquele solo fértil e muito menos destrua todas aquelas plantações. Afinal, todos nós precisamos de alimentos saudáveis para nos alimentar, seja o povo da cidade ou do campo, e não precisamos desse chamado "desenvolvimento", que destrói o meio ambiente e que, para concentrar mais e mais terras, expulsa os pequenos agricultores de suas roças, retirando deles não só o seu pedacinho de terra – que é o seu instrumento de trabalho e sua fonte de subsistência –, mas a sua história e a sua vida. É bom que eles saibam que não estão sós nessa luta, pois ela deve ser uma luta de todos nós.
Manifestações
E tanto é assim que, nos dias 12, 13 e 14 de março deste ano, todas as entidades reunidas em São João da Barra, participantes da 1ª Conferência Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural, manifestaram seu repúdio e solicitaram a imediata suspensão dos despejos impetrados contra os pequenos agricultores do V Distrito, conforme lista de assinaturas abaixo:
Porém, além dessas entidades, a Asprim tem contado com o apoio da CPT, do Comitê Popular de Erradicação do trabalho Escravo/NF, dos Sindicatos de Trabalhadores, do Movimento dos Pequenos Agricultores, do MST, da Associação dos Juízes pela Democracia, das igrejas, de instituições de ensino como a Universidade Federal Fluminense, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e o Instituto Federal Fluminense, entre outras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário