Do Jornal A Tribuna
O suposto envolvimento do senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM) com o contraventor Carlinhos Cachoeira e a utilização de seu mandato para favorecê-lo decepcionaram brasileiros e deixaram órfãos os cidadãos que defendem o combate à corrupção e a transparência das ações governamentais. Afinal, Torres era considerado um dos paladinos da ética no Congresso Nacional. Contudo, a luta pela moralidade na política está longe do fim.
Um dos parlamentares que vêm se destacando na Câmara nessa árdua batalha é o deputado federal e presidente do diretório municipal do PC do B em Guarujá, Protógenes Queiroz.
Eleito em 2010 com 94.893 votos, o delegado da Polícia Federal busca enfrentar a corrupção no nível político. Em breve, deve será ser nomeado novo presidente da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção do Congresso. O comunista ficou muito conhecido em julho de 2008, quando comandou a Operação Satiagraha, termo indiano que significa a busca constante pela verdade.
A ação desvendou um dos maiores esquemas de desvios de recursos públicos (cerca de R$ 17 bilhões), evasão de divisas, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha na história do Brasil.
A iniciativa culminou nas prisões do banqueiro Daniel Dantas, do especulador Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Queiroz defende um plano nacional contra a corrupção, por meio de ações como a que apresentou no primeiro dia de mandato: a criação de um projeto de lei que prevê 30 anos de cadeia para corruptos e corruptores. Em 2008, o delegado federal não pensava em entrar na política.
Admite que foi difícil mudar de ideia, porque fazia um trabalho técnico de combate à corrupção, mas percebeu que era necessária uma movimentação política para mudar o quadro. Em meio a essa difícil cruzada em âmbito nacional, o deputado federal diz não se esquecer da Baixada Santista e demonstra preocupação com a violência em Guarujá.
Por segurança, permaneceu com uma pistola Glock 40 carregada na cintura durante toda a entrevista de 1h30, concedida no dia 2 de abril, em seu escritório político na cidade. E revela, com exclusividade para A Tribuna, que são grandes as chances de ele concorrer à Prefeitura de Guarujá. Confira os principais trechos da entrevista.
Em 2008, após o sucesso midiático da Operação Satiagraha, o senhor havia dito que não pretendia ingressar na política. O que fez mudar de ideia?
Não foi fácil tomar essa decisão. Foi um caminho muito tortuoso, porque havia uma contradição do trabalho que fazia na Polícia Federal, um trabalho técnico de combate à corrupção, aos desvios de recursos públicos e à lavagem de dinheiro de organizações criminosas nacionais e internacionais. Para mim, entendia que isso já era bastante. A transformação do Brasil se dava nesse nível técnico até pelo sucesso das operações da Polícia Federal. Estávamos conseguindo fazer isso. Um exemplo foi a prisão do ex-deputado federal e ex-coronel da Polícia Militar do Acre, Hildebrando Pascoal (condenado por liderar um grupo de extermínio, integrar um esquema de crime organizado para tráfico de drogas e roubo de cargas e praticar crimes com requintes de extrema crueldade), em 1999. Conseguimos chegar a um nível operacional muito grande.
Aquele foi um marco de uma transformação que o Brasil precisava. Outros poderosos foram detidos, como o contrabandista Law King Chong, o ex-governador Paulo Paluf, o ex-prefeito Celso Pitta, o megainvestidor Naji Nahas e até mesmo o magnata russo Boris Berezovsky. Houve um marco de transformação que foi a Operação Satiagraha, em julho de 2008, onde o banqueiro Daniel Dantas foi preso. Uma pessoa muito influente, com muito dinheiro e extremamente perspicaz, que contamina o estado brasileiro e consegue cooptar quadros do Governo, financiando campanhas políticas. Se fosse para fazer o bem, seria bom, mas é para dilapidar o patrimônio público e agir de maneira criminosa. A partir dali, sofremos um revés.
Naquela época, houve um grande debate público sobre corrupção, contaminação do Estado e venda do subsolo brasileiro sem nenhum critério de fiscalização. Atingimos o nível máximo de estrutura corrupta do Estado, que era comandada pelo Daniel Dantas. Ele era o grande gestor. Com isso, percebemos que o nosso trabalho se encerrava ali com a condenação dele por 10 anos de prisão, R$ 12 milhões em multas, bloqueio de cerca de US$ 3 bilhões. Por outro lado, não conseguimos avançar mais, ou seja, toda a estrutura que estava em volta dele ainda permanece e é muito forte no Estado brasileiro.
Não houve uma conclusão final da Satiagraha, apenas encerramos a primeira etapa, que demonstrou o nível de contaminação do estado brasileiro. Isso não pode ser combatido somente no nível técnico e exige que as estruturas políticas se movimentem. Na Satiagraha, houve uma inversão de valores contra o próprio Estado. A partir dali, passamos a ser perseguidos. O bandido passou a ser vitimizado e os agentes do Estado foram desqualificados pelo trabalho.
Esse debate passou a ser feito nas três esferas de governo e na sociedade. Todos sentiram a necessidade de debater a corrupção nacional na estrutura do Estado. Nesse processo de investigação, condenação e até mesmo de perseguição contra mim e outras pessoas que participaram da operação, muitas coisas foram reveladas. Alguns ficaram do lado do bandido e outros do nosso lado. A maioria da população ficou do lado do bem.
A estrutura corrupta resistia ao que foi revelado. Com isso, entendi que deveria combater essa estrutura política em outro nível dominante na época, que era hegemônica, mas hoje já não é mais. Permanece e continua forte. Diante disso, fui convidado por várias entidades civis para explicar o que aconteceu durante a Satiagraha. Fiz dessas palestras uma prestação de contas do que foi realizado na Polícia Federal nos últimos anos, em especial na Satiagraha. Fui procurado por vários partidos políticos. Houve resistência das minha parte, entendia que o que fazia era o correto, queria voltar, mas as portas na Polícia Federal se fecharam. Dizia que seria candidato a carcereiro da penitenciária federal onde estaria preso o Daniel Dantas e outros corruptos.
O senhor teve muitos votos para quem foi candidato pela primeira vez. Como foi a campanha?
Percorri 340 municípios paulistas. Fui nesses locais a convite. Sempre fui bem recebido e com muito respeito. Tive uma grande concentração de votos na capital paulista. Na Baixada Santista, recebi quase 10 mil votos (na verdade foram 8.175). Fiquei muito grande com essa votação na região. É um reconhecimento e representa que há uma politização muito grande da população.
Como foi sua recepção ao chegar ao Congresso?
De muita desconfiança. No primeiro dia de mandato, no dia 2 de janeiro do ano passado, apresentei o projeto de lei que prevê a detenção de 30 anos para corruptos. Alguns disseram que não era um projeto muito simpático. Tive a sensação de que iria incomodar uma minoria. O projeto já está para ser votado em plenário em regime de urgência. (...) Sou o deputado que mais participa de comissões, subcomissões e frentes parlamentares na Câmara (18). Para a maioria delas, fui convidado pelo presidente Marco Maia (PT-RS) e por colegas tanto da situação como da oposição, como a comissão externa para investigar o vazamento de petróleo na Bacia de Campos, no final do ano passado.
Houve alguma situação curiosa que o senhor e algum parlamentar que você investigou ou prendeu?
Há uma certa contradição por ocupar a mesma vaga de pessoas que prendi, como o Paulo Maluf (PP), mas o respeito pelo fato dele ter sido eleito com uma votação popular. É uma contradição o carceireiro e o prisioneiro ocuparem a mesma vaga no Legislativo, na Comissão de Constituição e Justiça. Às vezes, fico me perguntando que país é esse...
O projeto de ampliar o tempo de detenção dos corruptos seria o primeiro passo para a construção de um plano nacional contra a corrupção que o senhor idealizou. O que está previsto nessa iniciativa?
Além desse projeto, já apresentei uma proposta que muda e lei do crime de lavagem de dinheiro. O plano inclui a mudança na legislação de combate ao crime organizado, que prevê a mudança do início da pena para o crime não prescrever. Hoje, a corrupção vale a pena. O sistema penal admite a corrupção hoje, devido à burocracia judicial imposta pelo Código de Processo Penal e pelo Judiciário, que não dá conta do número de ações. O plano prevê, ainda, a proposta de fiscalização e controle para verificar se R$ 4 bilhões do Governo Federal destinados ao combate ao crack estão chegando ao destino com eficiência.
Somente as leis previstas nesse Plano Nacional contra a Corrupção são o suficiente para acabar com esse problema no Brasil?
Não. Além da mudança legislativa, temos que ter a ação concretas dos órgãos do poder público e você precisa ter a participação da população, que é fundamental nesse processo de mudança. Sem essa exigência, a transparência não acontece. Na semana retrasada, estive representando a Câmara em um encontro para construir um tratado de um comércio de armas na América Latina. (…) Um parlamentar chileno ficou surpreso com as notícias de abrir uma investigação sobre o próprio Parlamento. Expliquei a ele que isso faz parte de um novo Brasil. A própria presidente Dilma Rousseff (PT) está dando o tom dessa mudança durante mandato e dando respostas que a população realmente quer. Ela é responsável pela consolidação dessa nova proposta de governabilidade e de desenvolvimento do Brasil. Isso passa por uma administração mais transparência e agindo energeticamente no combate à corrupção. Ao tomar posse, a Dilma frisou que uma das prioridades era o combate à corrupção e ao crack.
O sr. apresentou, nos últimos meses, dois pedidos de comissões parlamentares de inquérito (CPIs): a da Privataria, para investigar supostas irregularidades nas privatizações na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e a da Cachoeira, que pretende apurar o envolvimento de políticos em práticas criminosas desvendadas pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. Qual a expectativa em relação à abertura delas?
As duas já fazem parte do Plano Nacional contra a Corrupção e ainda não foram instaladas. A população precisa saber o que realmente aconteceu com as privatizações no Brasil, um assunto que sempre é pauta nos debates eleitorais. A intenção é dar resposta à sociedade sobre isso. Iniciei a coleta de assinaturas para a CPI em dezembro e, em dois dias, consegui 206 assinaturas, algo raro no Congresso, em especial no final do ano. Consegui apoio até de membros do PSDB. Isso demonstra o compromisso da Câmara com esse novo Brasil que está mudando. A outra CPI foi solicitada por ter a suspeita do envolvimento de representantes do Parlamento brasileiro. Ele deve ser o primeiro a se manifestar e assim o fez. A Câmara foi a primeira instituição a dar resposta ao caso. Em três dias, conseguimos 208 assinaturas. Isso mostra que estamos mudando. A Câmara não compactua com coisa errada, com corrupção, com crime organizado.
O senhor é o atual presidente do PC do B em Guarujá e se diz representante da Baixada Santista, mas a maioria dos temas em que o sr. vem atuado tem uma relevância nacional. O sr. recebe muitas demandas das prefeituras e da população da região?
Sim, com certeza. Já tive contato com representantes de Bertioga, Guarujá e Santos. Dediquei o mandato à Baixada Santista e trouxe emendas. Foram quase R$ 3 milhões liberados para a região (R$ 1,9 milhão para Guarujá, R$ 300 mil para Santos e R$ 150 mil para São Vicente e Cubatão).
Pretende ser candidato a governador ou até mesmo a prefeito de Guarujá?
Recentemente, o partido estava pautado por apoiar a prefeita Maria Antonieta de Brito (PMDB), inclusive na reeleição dela, mas aconteceram vários fatos que nos afastaram e, por ora, esse apoio está suspenso. Antes disso, meu nome já gravitava para ser candidato a prefeito e com apelo muito forte. Todos os pré-candidatos a prefeito de oposição se reuniram comigo com o intuito de fazer uma composição. Todos eles acreditam que o meu mandato como deputado federal faria a diferença em uma nova política a ser implantada em Guarujá. Seria uma novidade na Baixada. Não descarto essa possibilidade e precisamos avaliar o que a população quer.
Quando haverá uma decisão final do futuro político do PC do B em Guarujá? As chances são grandes de o sr. sair candidato a prefeito?
(Veremos) na convenção do partido, em junho. Já estamos dialogando com alguns partidos, como PPL, PT, PDT e PSD. As chances de eu sair candidato a prefeito são grandes, sim. Há interesse desses partidos em apoiar meu nome. Quero que Guarujá viva um novo momento, formando uma grande coalizão para que não sejamos mais palco de violência. Queremos fazer uma administração limpa, transparente, sem envolvimento com corrupção, desconfiança ou maracutaia.
O desejo para fazer essa faxina em Guarujá é maior do que a satisfação do trabalho que vem desenvolvendo no Congresso Nacional?
Acredito que vou ter muita dificuldade de falar para os meus pares sobre essa minha intenção, porque a Câmara já desenhou todo um projeto de mandato para mim. Os deputados da base aliada e da oposição enxergam em mim mais um no combate à corrupção. Como você lembrou, meu nome está ligado a grandes discussões nacionais de combate à corrupção, mas tenho que levar em conta também as discussões importantes para São Paulo e para a Baixada Santista.
Por que o PC do B deixou as secretarias de Saúde e de Esporte da Prefeitura de Guarujá em março, após ingressar no Governo em novembro? Foi por uma questão eleitoral?
Tomamos essa decisão porque a prefeita iniciou um compromisso conosco e faltava cumprir várias etapas do que foi firmado. Queríamos fazer modificações muito grandes nas estruturas, mas elas não estavam vindo, poderiam piorar e eclodir em uma situação desagradável, como ocorreu. A cidade é palco de violência há mais de 30 anos. Foram quatro vereadores assassinados e, recentemente, o ex-secretário de Governo, Ricardo Joaquim. Após essa tragédia e por não implementar mudanças prometidas, decidimos sair.
O sr. conversou com a prefeita após a decisão do partido de deixar o governo?
Não. Não houve nenhum apelo para que permanecêssemos. Isso foi um sinal de que a nossa presença era um apêndice sem muita expressão, na visão política dela. Respeitamos, mas ela deve saber qual é o melhor caminho para a Cidade. Apenas queríamos fazer parte de uma governabilidade que mudasse Guarujá e não que houvesse retrocesso, que foi comprovado com o assassinato do Ricardo Joaquim. Alguma coisa acontece dentro da estrutura política do município, que é mal formulada.
Como o quê?
Se há essas tragédias, é sinal de que a administração pública não é conduzida de forma isenta, ou seja, há um comprometimento dessa máquina administrativa com uma estrutura que ainda não identificamos, mas que a população reprova. É preciso haver um debate inédito na Cidade. A classe política foge dessa discussão. A prefeita, os vereadores e a comunidade precisam estar envolvidos para buscar uma solução.
Voltando à questão da Polícia Federal, provas coletadas para embasar grandes operações do órgão, como a Satiagraha e a Castelo de Areia, foram anuladas pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF). Isso representa que há falhas nesse trabalho de investigação?
No caso da Satiagraha, houve várias manifestações da população, inclusive me manifestei sobre isso na Câmara. O que pesou muito para ter o recurso no STF foi o nosso mandato e o trabalho responsável do procurador da República, que não deixou o prazo precluir. Por isso, queremos que a Satiagraha seja reapreciada no STF, porque a anulação ocorreu sem base legal nenhuma. A própria decisão foi eivada de suspeita. O relator do processo STJ, o ministro Adilson Vieira Macabu, tem negócios com o banqueiro Daniel Dantas. Isso é uma vergonha para o Judiciário brasileiro. Tenho certeza que essa falha será corrigida no STF. A Justiça vai ser feita na Suprema Corte.
Nos últimos anos, a Polícia Federal aumentou o número de grandes operações. O que realmente mudou na estrutura da Polícia Federal? Houve mais investimentos?
Sou da Polícia Federal do período do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A Polícia Federal estava há dez anos sem concursos públicos, servidores com baixos salários e sem equipamentos. A Polícia Federal estava pálida. Durante o Governo Lula, houve uma mudança na estrutura ao colocar o gestor operacional Paulo Lacerda, com o viés de resgatar a credibilidade das instituições. Tínhamos esse compromisso do presidente Lula, assim como uma maior independência e um forte empenho no combate à corrupção. Conseguimos realizar um grande trabalho, mas durante a Operação Satiagraha houve uma grande mudança na estrutura, devido à estrutura sólida que detinha o Daniel Dantas. Ele é um dos artífices daquela mudança e a Polícia Federal volta a ficar pálida, sem ter a pronta resposta do passado. O ex-diretor geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, deixou a corporação com a fama de corrupto e responde a inquéritos, investigações e ações penais, devido ao desvio de recursos (R$ 17,98 milhões) durante a compra de equipamentos para os Jogos Panamericanos de 2007, no Rio de Janeiro.
Quando ele assumiu o cargo?
Em outubro de 2007 (e se aposentou em dezembro de 2010). A gestão dele praticamente destruiu a imagem que vínhamos construindo da Polícia Federal. O Corrêa deixa a corporação com uma fama ruim, o que nunca ocorreu na história da Polícia Federal. A instituição ainda tenta se recuperar desse trauma. Acredito que a administração atual tenta se desligar desse passado recente para recuperar a credibilidade do passado recente, mas acho que ainda falta muito. No caso do Cachoeira, se isso tivesse ocorrido antes, evidentemente os peixes grandes estariam presos, mas não quem trabalha na base de pirâmide desse grande esquema. Você tem senadores, deputados, senadores e ministros envolvidos. Foram colocados no cárcere quem menos correspondia a estrutura corrupta. Essa não é a resposta que a sociedade quer.
A Operação Satiagraha foi prejudicada?
Logo que ele assume, em dezembro de 2007, ele tirou toda a nossa estrutura de trabalho. Chegamos a ter uma estrutura mínima de trabalho com apenas cinco policiais. No início, eram 26. Era como se estivéssemos em uma guerra e ficássemos sem armamento, alimento e combustíveis. A ideia era para que desistíssemos, mas conseguimos levá-la até o final.
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