Hoje nossa vida vai mudar. Para pior ou melhor? Hoje vamos
saber. Quem dá mais? Obama ou Mitt? A inteligência que resiste à estupidez ou
aqueles 59 milhões de idiotas que elegeram o Bush na fraude da Flórida? Será que
vão repetir a roubalheira? Estranha herança da democracia dos 'founding
fathers' - furos propositais no sistema eleitoral, 'zebras' programadas. Será
que ganha o racismo oculto, recôndito, a KKK na alma de wasps? Bush foi o
macaco na loja de louças do Ocidente. Mitt Romney finge ser uma evolução da
espécie dos símios, mas é macaco também. E não me venham chamá-lo de
"sensato conservador".
Barack Obama passou por Malcolm X, por Luther King e atingiu
uma espécie de síntese de virtudes políticas que almejamos: tolerância, a
inteligência contra a mentira, pela superação da guerra partidária, contra os
lobbies, contra a tirania do petróleo, contra o efeito estufa. E não me venham
chamá-lo de "esquerdinha sem programa"...
E aumentou o perigo da eleição de Mitt, depois do péssimo
desempenho de Obama no primeiro debate, em parte por narcisismo, pois estava
"se achando", e, em parte, por ingenuidade, acreditando que ideias
verdadeiras impressionam os eleitores americanos.
Mitt Romney, bem treinado por sua equipe, despejou um
discurso de mentiras com altivez e articulação, com sua cara perfeita para
presidente, seu rosto 'mix' de Clinton com Kennedy, cabelos grisalhos,
olhos úmidos e um sorriso irônico nos lábios, tudo estudado para arrasar Obama,
que a seu lado parecia um vendedor de amendoim. Os democratas esqueceram que no
discurso político importa muito mais o tom, o ritmo da frase, o sorriso na hora
certa, a ênfase de falsas certezas, a beleza do rosto wasp. Mitt parecia
um Lula ou um Maluf falando inglês: tudo para a mídia, todas as inverdades
ditas com precisão e certeza.
Aliás, durante a convenção democrática, notei uma súbita
sombra que passou no rosto de Michelle Obama enquanto Clinton fazia seu
discurso histórico, arrasando os republicanos. Senti que Michelle, por um
segundo, percebeu que o charme infinito, branco e wasp de Clinton poderia
eclipsar o marido, sabia que a ajuda de Clinton era excelente e ao mesmo tempo
perigosa - poderia relegar Obama para um papel de coadjuvante. Pode ter sido
impressão minha, mas confirmou-se no primeiro debate. Diante dos dois wasps
clássicos, Clinton e Mitt se digladiando por ele, baixou-lhe um tremor de
presidente negro, diante do sutil racismo que existe na maioria dos americanos
brancos. Depois disso, tudo ficou por um fio, empate técnico, subida da
confiança do republicano que, aconselhado por seus orientadores como Karl Rove,
resolveu voltar atrás e bancar o 'moderado', negando todas as barbaridades
reacionárias que já proferiu. E com a propaganda reacionária, Obama ficou de
'radical', 'comunista', 'muçulmano e filho bastardo de mãe adúltera'.
Mitt é o delfim da pior face da América: o mundo psíquico
dos republicanos, filhos de um deus duro e implacável. Suas caras, suas fuças
parecem dizer: "Não tenho dúvidas, não quero ouvir, já sei tudo, Deus me
disse...!!"
Eles encarnam o pensamento dos milhões de americanos que
jazem entre o hambúrguer e o sofá, diante da TV, gente que acha que problemas
se raspam, que dissidências se esmagam, que complexidades se achatam, que o
múltiplo tem de virar "um", que tudo tem princípio, meio e fim e que
o fim deve ser igual ao início.
Quando Mitt declarou: "Eu não sou o Bush!" -
mentiu. Ele é o Bush sim; eles são produzidos em série no útero puritano da
América, forjados na velha religião do século 17, falando nas "forças do
mal", que são eles mesmos. Há um racismo sutil além da cor da pele.
Se o Mitt for eleito, voltará a grande máquina careta em que
todos se encaixam como parafusos obedientes, uma máquina que paralisa o
presente num passado eterno, para impedir um futuro que lhes fuja do controle.
Os republicanos não têm mais nada a aprender; eles moram na certeza, na
eternidade, exatamente como os suicidas de Osama. Como os islamitas, o
grande desejo letal, funéreo dos republicanos é a cultura da morte, a
destruição de todas as conquistas progressistas dos anos 60 e 70:
liberdade, antirracismo, direitos civis. Querem limpar tudo com o detergente da
estupidez.
O maior perigo é no plano internacional, com a vitória da
ideia de que a América é um país excepcional e que deve reconquistar sua
liderança no mundo todo, hostilizando a China, Rússia, apoiando a extrema
direita de Israel contra o Irã, sem cultura política e sem habilidade para um
mundo em crise econômica (em parte devido a eles) e diante de conflitos
crescentes no Oriente Médio. O perigo maior é o que eles pensam: "Chega de
frescuras de democracia, multilateralidade, tolerância, bom senso! Vamos botar
pra quebrar!"
Imaginem uma guerra na Mesopotâmia, em cima do mar de
petróleo. A zona geral do Oriente Médio atingiria o mundo todo, quebraria o
comércio internacional e nossos sonhos de emergentes privilegiados. Sente-se no
ar o desejo inconsciente por uma tragédia que pareça uma "revelação".
Sim. Diante de tantos fatos insolúveis, surge a fome por algo que ponha
fim ao "incontrolável", a coisa que americano mais odeia. Mesmo uma
catástrofe atômica parecerá uma "verdade" nova.
Por outro lado, se o Obama ganhar, além de termos um homem
sério e culto no poder, um líder capaz de se haver com a complexidade política
da época atual, teremos a felicidade de ver a derrota das famílias gordinhas
dos boçais da direita, os psicopatas sorridentes de dogmas, seus hambúrgueres
malditos, seus churrascos nos jardins e nas cadeiras elétricas, não veremos
mais os meninos mortos voltando do Iraque como sanduíches embrulhados
"para viagem", a crueldade em nome da bondade, a fé contra a razão, a
santidade da burrice, tudo sob um inferno de cânticos evangélicos e música
country.
Não percam: hoje, mais um passo para nosso destino!
Nenhum comentário:
Postar um comentário